Resumo:Alguns criadores de peixes ornamentais têm o hábito de selecionar os maiores alevinos que se destacam na desova acreditando que eles serão – no futuro - os melhores exemplares daquele lote. Muitas vezes os criadores descartam os demais e investem nestes peixes selecionados prioritariamente. Este artigo demonstra – através de experimentações e à luz de conceitos científicos - que este procedimento pode não estar correto, pois, muitas vezes, os menores filhotes podem se transformar nos melhores peixes se receberem tratamentos adequados. Neste artigo há também o depoimento de especialistas, cientistas e criadores, que colocam aqui a sua opinião sobre o polêmico assunto.
Alguns criadores, de Betta splendens,
a exemplo de criadores de outros animais, adotam o procedimento de
selecionar os maiores alevinos, ou seja, aqueles que se destacam no
cardume, logo nos primeiros dias de vida, e investirem nesses peixes
para posteriormente se tornarem os “top de plantel”, deixando o restante
para segundo plano, ou até mesmo descartando-os.
Esses
criadores acreditam que os alevinos que se desenvolvem primeiro serão
os melhores daquela desova e conseqüentemente, apresentam, melhor
material genético e, portanto, serão os animais preparados para serem as
futuras matrizes. Não podemos descartar esta possibilidade, porém, a
minha experiência em piscicultura ornamental mostra que excelentes
peixes podem ser encontrados também no lote dos que tiveram um
desenvolvimento mais lento. Para fundamentar meu ponto de vista teço os
comentários abaixo:
- Figura 1 -
1. Meu Manejo de Alevinos
Meus
peixes são criados em meu laboratório utilizando aquários ou caixas
plásticas e, dependendo da quantidade de alevinos, com dez dias de
nascidos divido a ninhada em outros recipientes. Quando estão com um mês
de idade faço a primeira seleção, pois já é possível observar uma
acentuada diferença de tamanho, sendo que vários alevinos se sobressaem,
enquanto outros permanecem bem pequenos, dando-nos a impressão que não
irão crescer. Assim, retiro os maiores alevinos e levo para os tanques
de crescimento. Poucos dias depois os alevinos que ficaram passam a se
desenvolver mais rapidamente e novas diferenças de tamanho começam a
ficar visíveis. Aos quarenta e cinco dias faço a segunda seleção e
retiro, novamente, os maiores alevinos levando-os, também, para o tanque
de crescimento, ficando no aquário inicial, mais uma vez, os menores
filhotes que passam a se desenvolver mais rapidamente do que os lotes
anteriores, em função, principalmente, da maior quantidade de água
disponível, maiores níveis de oxigênio dissolvido, melhor oferta de
alimentos, menor estresse por espaço físico, etc, etc. Com sessenta dias
de nascidos, então é feita uma nova avaliação e o processo é repetido a
cada quinze dias até que todos os alevinos sejam levados para os
tanques de crescimento.
- Figura 2 -
Quando
os filhotes machos, já acondicionados nos tanques, começam a brigar
estes são retirados e acondicionados em recipientes individuais. É
possível observar que de todos os lotes saem peixes bons e peixes ruins.
Todos os lotes possuem peixes grandes e pequenos, peixes com grande
dorsal e pequena dorsal, peixes com muita cor e peixes com pouca cor. Já
vivenciei alguns casos que aqueles últimos peixinhos, bem pequeninos,
que não damos a devida importância, e são deixados de lado, começam a
desenvolver, tardiamente, características de peixes “top de linha” e que
até poderão ser selecionados para matrizes.
- Figura 3 -
Alguns
criadores sugerem que os peixes sejam selecionados, logo no início,
pelas características morfológicas que desejam, por exemplo: abertura
caudal, abertura peduncular, coloração, etc. Cabe ressaltar, entretanto,
que, dependendo da espécie e ou da linhagem, muitas destas
características só irão se manifestar quando os animais já se
encontrarem com alguns meses de idade; por exemplo, na minha linhagem
super red, quase todas as fêmeas só colocam as suas cores definitivas
após quatro ou cinco meses de idade. Até esta idade elas são cambojadas.
A
título de informação, vale citar que o fator luz exerce significativa
influência neste quesito, sendo que peixes criados sobre exposição de
luz têm tendência a mostrarem suas cores mais rapidamente do que aqueles
que não são criados com aquela exposição.
Vale
considerar, também que a completa abertura caudal, em algumas
linhagens, só poderá ser totalmente observada quando o peixe já possuir
vários meses de idade. Na linhagem de white opaque que desenvolvo, por
exemplo, a maioria dos peixes só mostra sua total abertura caudal após
os cinco meses de idade, principalmente as fêmeas.
2. Porque alguns alevinos crescem mais do que os outros, sendo que em alguns casos os maiores chegam a comer os menores?
Temos
que considerar que uma postura de uma fêmea do peixe betta produz, em
média, de cem a quinhentos ovos, sendo que já foram observados casos
excepcionais que este numero ultrapassou a casa dos mil ovos.
A
partir do momento que o ovócito é expelido pela fêmea e fecundado pelo
macho inicia-se, imediatamente, o processo de desenvolvimento daquele
organismo. A corrida pela vida começa mesmo antes do ovócito chegar ao
fundo do aquário, pois ele já está fecundado. Uma postura de uma fêmea
pode levar horas para ser concluída e, assim, os ovos que foram
fecundados primeiro conseqüentemente serão os primeiros a eclodirem e
gerarem alevinos.
Os
alevinos dos primeiros lotes comerão primeiro e consequentemente
crescerão primeiro. Desta forma podemos, hipoteticamente, considerar que
estas diferenças entre os nascimentos podem significar a diferença
entre sobreviver ou servir de alimento; ser um exemplar bom ou ser um
exemplar ruim.
Outro
aspecto biológico a considerar é o fato dos ovos do peixe betta, quando
examinados à luz da lupa eletroscópica, não apresentarem exatamente o
mesmo tamanho.
- Figura 4 -
Esta
diferença pode nos indicar que suas reservas vitelínicas não possuem o
mesmo volume e que os peixinhos ao nascerem não terão exatamente o mesmo
tamanho (Vide Figura 3). A diferença de tamanho é muito significativa
na corrida pela vida. Peixes maiores tem bocas maiores e se tornam aptos
primeiro a se alimentarem de um náuplio de artemia ou um microverme e
assim, hipoteticamente, poderíamos considerar, que ter a boca um
pouquinho maior pode significar a diferença entre viver ou servir de
alimento; em ser um exemplar bem sucedido ou em ser um exemplar
medíocre.
- Figura 5 -
Como
vimos nos dois últimos parágrafos os alevinos que nasceram primeiro ou
com maior reserva vitelínica podem apresentar melhor chance de
sobrevivência, mas seriam estes os exemplares com o melhor material genético para evidenciar os fenótipos que apreciamos?
Convém
lembrar que a maioria das características que apreciamos nos peixes
ornamentais não necessariamente serão as mais favoráveis na natureza.
3 . Então como devemos selecionar os exemplares para serem as nossas matrizes?
Seleções
rigorosas baseadas em uma única característica biológica como
precocidade de desenvolvimento ou tamanho podem até resultar em peixes
excepcionais, no entanto, não garantem outras características
fenotípicas que queremos. Obter animais com melhor pedúnculo, dorsal,
maior número de raios na cauda, etc, exigem que sejam escolhidos animais
possuidores de genótipos favoráveis que tanto podem estar transcritos
no DNA desses primeiros e maiores alevinos quanto na cadeia genética
daqueles menores, que não se desenvolveram primeiro por questões
bióticas ou abióticas desfavoráveis, ou seja, por interação inadequada
com os irmãos maiores ou com o ambiente.
4. A título de curiosidade vale comentar porque uma fêmea do peixe betta produz tantos ovos.
Durante
o desenvolvimento evolucionário dos organismos animais, algumas
espécies sofreram, no decorrer do tempo geológico, adaptações evolutivas
que as levaram a gerar muitos ovos ou muitos filhotes, enquanto outras
evoluíram para gera poucos ovos ou poucos filhotes.
Segundo
o postulado darwiniano, aquelas espécies que geravam poucos ovos ou
filhotes desenvolveram paralelamente rituais de cuidados parentais mais
aperfeiçoados com o objetivo de preservar um maior percentual de sua
prole. Em contrapartida, aqueles animais que tendiam a gerar muitos
descendentes não desenvolveram cuidados parentais tão aperfeiçoados
preservando apenas um pequeno número de sua prole e, desta forma, por
seleção natural, somente os mais fortes sobreviveriam.
Neste
segundo caso, a maioria dos filhotes gerados serviria de alimento aos
demais peixes do cardume, sendo até mesmo uma importante fonte de
proteína ou fator de preservação daquela população ou da espécie.
Acredito particularmente que o peixe betta esteja enquadrado nesta
segunda hipótese.
5. Então de onde veio este procedimento de selecionar os primeiros animais que se destacam no lote.
O
procedimento de separar os maiores animais de um lote de filhotes, para
posteriormente servirem de matrizes, costuma ser utilizado quando o
interesse principal é produzir animais cuja característica requisitada é
o peso, tamanho, etc, no entanto, atualmente as empresas que trabalham
com produção de animais, em escala comercial, utilizam processos de
avaliação genética (baseados em marcadores moleculares) para selecionar
as suas matrizes, ficando, desta forma, aquele processo de seleção “no
olho” ultrapassado mas ainda utilizado por muitos produtores que não tem
conhecimentos e acesso à tecnologia moderna.
6. Então qual seria a melhor forma de selecionarmos e avaliarmos nossos alevinos?
Sabemos
que os principais fatores para obtenção de peixes de boa qualidade
estão diretamente relacionados à água e a alimentação.
A
água deve ser de excelente qualidade, isto é com ausência total do
terrível trio de compostos nitrogenados: nitrito, nitrato e amônia;
temperatura e parâmetros físico-químicos compatíveis com a espécie de
peixes em criação.
Acredito
que a qualidade da água seja ainda mais importante do que alimentação
porque peixes com um mínimo de alimentação, porém com água de boa
qualidade podem crescer, no entanto, quando a água está ruim, mesmo com
boa alimentação os peixes atrofiam.
Sugiro
a separação máxima dos alevinos, ou seja, já a partir do décimo dia de
nascidos pode-se dividi-los em vários grupos; a regra é: quanto maior a
litragem por indivíduo melhor será o desenvolvimento.
Quando
os alevinos estiverem separados em pequenos lotes teremos um
crescimento mais ou menos uniforme e poderemos remanejar um indivíduo
que se destacou no seu lote, para um lote de maiores e vice versa.
Desta
forma, tanto no aquário, ou em tanques poderemos avaliar
progressivamente todos os peixes, selecionando os indivíduos que possuem
as características fenotípicas que desejamos, sem descartar aqueles que
inicialmente demoraram mais para se desenvolverem.
A TÍTULO DE EXPERIMENTAÇÃO SUGIRO QUE OS COLEGAS RETIREM OS MENORES ALEVINOS DE SUAS DESOVAS E ACONCIDIONE-OS EM RECIPIENTES, DENTRO DOS PRÓPRIOS AQUÁRIOS DE CRESCIMENTO, CONFORME FIGURA ABAIXO. TENHO CERTEZA QUE VOCES TERÃO UMA SURPRESA COM O DESENVOLVIMENTO DESSES ALEVINOS.
- Figura 6 -
Considerações:Coloquei neste artigo as observações que venho fazendo na criação do peixe betta e que tem me propiciado, como resultado, exemplares excepcionais, com tamanho acima do padrão de mercado, no entanto, nada impede que outros criadores tenham outros pontos de vista, estejam fazendo de outra forma e estejam obtendo sucesso, por isso coloco este assunto em discussão e gostaria de ouvir a opinião de outros criadores, pois só assim poderemos evoluir na criação deste fantástico peixe.
Wilson Vianna
wovianna@oi.com.br
Graduado em Ciências Biológicas pela UNISUAM/RJ, graduado em Administração de Empresas pela UNISUAM/RJ, Pós - Grad. em Biologia Marinha pela UNISUAM /RJ, Possui trabalhos científicos publicados através do CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, titular da Piscicultura Vianna (Magé/RJ), relações públicas e articulista da revista Mania de Bicho (RJ). Gestor do Centro de Estudos de Aquariofilia - CEA, membro da equipe de pesquisa Científica "Aquisuam” .
Nenhum comentário:
Postar um comentário